Crise Ecológica e Civilização Industrial

Devemos procurar salvar a civilização industrial?


O texto abaixo é uma tradução livre do debate entre George Monbiot (www.monbiot.com) e Paul Kingsnorth (www.paulkingsnorth.net). O duelo por e-mail foi publicado no (The Guardian) em 18 de agosto de 2009. Provavelmente, este duelo de emails trocados entre eles é um "Cult" do jornalismo ambiental atual.

O debate questiona como tornar uma sociedade planetária mais solidária em um planeta devastado por pandemia, crise ecológica e péssima governabilidade dos recursos (financeiros e naturais). Há uma dificuldade governamental global para minimizar o processo de extinção das espécieis, inclusive, a dos seres humanos. No debate, vários assuntos são abordados, como industrialização predatória, economia rumo ao estado estacionário, contração econômica voluntária e, inclusive, perguntas como: "Nós ainda acreditamos em 'progresso', como definido preguiçosamente pelo liberalismo ocidental?"

O texto original está em: Should We Seek to Save Industrial Civilisation?



"Caro George,

Na minha frente, na mesa, tem um conjunto de gráficos. O eixo horizontal é idêntico em cada gráfico: representa o tempo, a partir dos anos 1750 até 2000. As curvas dos gráficos mostram, alternadamente, os níveis populacionais de humanos, a concentração de CO2 na atmosfera, a exploração da pesca, a destruição das florestas tropicais, o consumo de papel, o número de veículos automotores, o uso da água, a taxa de extinção de espécies e a totalidade do produto interno bruto da economia humana.

O que me prende nestes gráficos (e gráficos geralmente não me prende) é que, embora eles mostrem coisas muito diferentes, eles têm uma forma quase idêntica. Uma linha começa do lado esquerdo da página, aumenta gradualmente e se move para a direita. Em seguida, na última polegada, ou assim – por volta dos anos de 1950 – as linhas de repente viram abruptamente para cima, como um piloto após ver um precipício aparecer após as nuvens.

A causa raiz de todas essas tendências é a mesma: uma economia humana voraz que está trazendo o mundo muito rapidamente à beira do caos. Sabemos isso; alguns de nós até mesmo tentamos impedir este acontecimento. Entretanto, tais tendências continuam a se agravar rapidamente, e não há nenhum sinal de mudança. O que estes gráficos mostram claramente mais que qualquer coisa é a fria realidade: há um grave acidente a caminho.

Contudo, poucos de nós estamos preparados para olhar honestamente esta mensagem, que é a realidade gritando para nós: a civilização que fazemos parte atinge o armazenamento máximo no planeta em toda velocidade, e é tarde demais para pará-lo. Em vez disso, a maioria de nós - e estou incluído nesta generalização – e muito do movimento popular ambiental – ainda estamos apegados a uma visão do futuro como uma versão atualizada do presente. Nós ainda acreditamos em "progresso", como definido preguiçosamente pelo liberalismo ocidental. Nós ainda acreditamos que seremos capazes de continuar vivendo mais ou menos as mesmas vidas confortáveis (embora com mais parques eólicos e melhores lâmpadas) somente se adotarmos o "desenvolvimento sustentável" com rapidez suficiente, e que podemos, então, estendê-los para os mais de três bilhões de pessoas que, em breve, se juntarão a nós neste planeta já ofegante.

Eu acho que isso é simplesmente negação. Está inscrito na parede da sociedade industrial, e nenhuma ética na quantidade de vezes que se vão às compras ou em um determinado protesto vai mudar isso agora. Tome uma civilização construída sobre o mito do excepcionalismo humano e uma atitude cultural profundamente enraizada na "natureza"; adicione uma crença cega no progresso material e tecnológico; em seguida, alimente a coisa toda com uma fonte de combustível descoberta para ser desastrosamente destrutiva somente depois da sua utilização para inflar nossos números e apetites além do ponto sem retorno. O que você consegue? Estamos começando a descobrir.

Precisamos cair na real. A mudança climática está oscilando em torno do ponto sem retorno enquanto nossos líderes batem o tambor para mais crescimento. O sistema econômico em que confiamos não pode ser domesticado sem entrar em colapso, pois depende desse crescimento para funcionar. E quem quer que ele seja domado? A maioria das pessoas no mundo rico não vão desistir de seus carros ou férias sem lutar.

Algumas pessoas – talvez inclusive você - acreditam que essas coisas não deveriam ser ditas, mesmo que seja verdade, porque dizê-las privarão as pessoas de "esperança", e que sem esperança não haverá chance de ‘salvar o planeta’. Mas a falsa esperança é pior do que nenhuma esperança. Quanto 'salvar o planeta' – que estamos realmente tentando salvar, como a luta em torno de colocar turbina em montanhas e gritando com os ministros, não é o planeta, mas o nosso apego ao material na cultura ocidental, sem o qual não podemos imaginar viver.

O desafio agora não é como escorar um império em ruínas com ondas de máquinas e cúpulas globais, mas começar a pensar em como vamos viver sua queda, e o que nós podemos aprender com o seu colapso.

Tudo de bom,

Paul



Caro Paul,

Como você eu me tornei ainda mais sombrio sobre as nossas chances de evitar o acidente que você prever. Nos últimos anos tenho sido profissionalmente quase otimista, exortando as pessoas a continuar lutando, sabendo que dizem que não há esperança para fazer assim. Ainda tenho alguma fé na nossa capacidade de tomar decisões racionais baseadas em evidências. Mas está minguando.

Se os governos demoraram tanto para começar a discutir a reforma da Política Comum das Pescas, se eles se recusam a fazer planos de contingência para pico do petróleo, que esperança há de trabalhar para uma economia rumo ao estado estacionário, muito menos para uma de contração econômica voluntária, em última análise, necessária para evitar qualquer acidente climático ou o esgotamento de recursos fundamentais?

Mas a questão interessante, e que provavelmente nos divide, é esta: até que ponto devemos saudar o provável colapso da civilização industrial? Mais precisamente: até que ponto acreditamos que algo de bom pode vir disso? Detectei em seus escritos, e nas conversas que tivemos, uma atração – quase um anseio por – este apocalipse, uma sensação de que você o vê como um fogo de limpeza que irá livrar o mundo de uma sociedade doente. Se essa é a sua maneira de ver, eu não compartilho.

Tenho certeza que podemos concordar que as consequências imediatas do colapso seriam horríveis: o colapso dos sistemas que mantêm a maioria de nós vivos; mortandade em massa por fome; guerra. Somente estes já nos dão razões suficientes para continuar lutando, no entanto, nossas chances podem ser fracas. Mas mesmo que de algum modo fôssemos capazes de expressar o que pensamos, acredito que o que viria de fora seria pior do que a nossa solução atual.

Aqui estão três observações:

  • Nossa espécie (ao contrário da maioria dos seus integrantes) é resistente e resiliente.

  • Quando as civilizações colapsam, os psicopatas assumem.

  • Raramente aprendemos com os erros de outros.

Desde a primeira observação, temos o seguinte: mesmo que você tenha de alguma forma endurecido com relação ao destino dos seres humanos, você certamente pode ver que nossa espécie não vai se extinguir sem causar a extinção de quase todas as outras. No entanto, se tombarmos, nós nos recuperaremos o suficiente para dar outra martelada na biosfera. Continuaremos fazendo isto até que reste tão pouco sobrevivente que mesmo o 'Homo Sapiens' não conseguirá mais sobreviver. Este é o destino ecológico de uma espécie dotada de inteligência excepcional, polegares opositores e uma capacidade de interpretar e explorar quase todos os recursos possíveis - na ausência de restrição política.

A partir da segunda e da terceira observações, temos o seguinte: em vez de reunir em coletivos livres os chefes de famílias felizes, os sobreviventes deste colapso estarão sujeitos à vontade das pessoas que procurarão monopolizar os recursos restantes. Provavelmente, isto será imposto através da violência. Responsabilidade política será uma memória distante. As chances de conservar qualquer recurso nessas circunstâncias serão aproximadamente zero. As consequências humanas e ecológicas do primeiro colapso global tenderão a persistir por muitas gerações, talvez para o tempo restante da nossa espécie na Terra. Imaginar o que de bom poderia vir da falha involuntária da civilização industrial é também sucumbir à negação. A resposta à sua pergunta - o que podemos aprender com esse colapso? É Nada.

Então é por isso que, apesar de tudo, eu luto. Eu não estou lutando para sustentar o crescimento econômico. Estou lutando para evitar tanto o início do colapso, quanto a catástrofe que se seguirá a partir dele. No entanto a tênue esperança de que da engenharia desembarque amenizações – fazendo uma redução ordenada e estruturada dos efetivos da economia global – pode até ser, devemos manter viva esta possibilidade. Ambos estamos, talvez, em negação: eu, porque acho que lutar ainda vale a pena, e você, porque acha que não.

Com os meus melhores votos,

George



Caro George,

Você diz detectar na minha escrita um desejo de apocalipse. Eu detecto em seu escrito um medo paralisante.

Você se convenceu de que há apenas dois futuros possíveis disponíveis para a humanidade. Um deles é o que poderíamos chamar de Democracia Capitalista Liberal 2.0. Claramente sua opção preferida, esta é muito parecida com o mundo em que vivemos agora, apenas com combustíveis fósseis substituídos por painéis solares, governos e corporações por conta de cidadãos ativos e crescimento de alguma forma posto de lado em favor de uma ‘economia de estado estacionário’.

O outro futuro pode chamar McCarthyworld. McCarthyworld leva o nome do Romance de Cormac McCarthy, A Estrada, que se passa em um ambiente incrivelmente hediondo, num mundo pós-apocalíptico, em que tudo está morto, menos os humanos, que são reduzidos a comer crianças. Não faz muito tempo que você sugeriu em uma coluna que esse futuro poderia nos esperar se nós não continuássemos 'a luta'.

Sua carta continua explorando uma veia do pensamento hobbesiano. Temos que 'lutar', porque sem a civilização industrial moderna, os psicopatas assumirão o controle, e teremos 'fome em massa e guerra'. Deixando de lado o fato de que os psicopatas parecem que já comandam o show, e hoje, milhões sofrem por fome e guerra, eu acho que essa é uma falsa escolha. Nós dois viemos de uma cultura cristã-ocidental, com uma profunda tradição apocalíptica. Você parece achar que é difícil ver além. Mas eu não sou do tipo que "anseio" por algum arquétipo de fim dos dias, porque não é isso que nós enfrentamos.

O que nós enfrentamos é o que John Michael Greer, em seu livro com mesmo nome, chama de uma "Longa descida" - uma série de crises contínuas provocada pelos fatores que eu disse na minha primeira carta, que trará um fim a cultura do consumo que estabelecemos sobre à Terra. Tenho certeza de que "algo de bom virá" a partir disso, visto que tal cultura é uma arma de destruição em massa planetária.

Nossa civilização não sobreviverá em nada como sua forma atual, mas podemos pelo menos, apontar um retiro controlado para um mundo salutar. Sua alternativa - se apegar como bom samaritano por medo de encontrar algo pior - é de qualquer forma, é um século de atraso. Quando o império começar a cair, eles constroem sua própria dinâmica. Mas o que vem a seguir não precisa ser McCarthyworld. O medo é um péssimo guia para o futuro.

Tudo de bom,

Paul



Caro Paul,

Se eu entendi corretamente, você está propondo fazer nada para impedir o provável colapso da civilização industrial. Você acredita que em vez de tentar substituir os combustíveis fósseis por outras fontes de energia, devemos deixar o sistema cair. Você continua a dizer que não devemos temer este resultado.

Quantas pessoas você acha que o mundo poderia suportar sem qualquer um dos combustíveis fósseis ou um investimento equivalente em energia alternativa? Quantos sobreviveriam sem a moderna civilização industrial? Dois bilhões? Um bilhão? Sob a sua visão parece que serão vários bilhões que perecerão. E você me diz que não temos nada a temer.

Acho difícil entender como você não foi afetado por essa perspectiva. Eu te acusei de negação antes, isto parece mais com rejeição. Eu ouço um perverso eco na sua escrita das filosofias que mais te ofendem: sua asserção machista de que não temos nada a temer com o colapso espelha a afirmação que não temos nada a temer de um crescimento sem fim. Ambas as posições denunciam uma recusa em se envolver com a realidade física.

Seu repúdio é informado por um mal-entendido. Você sustenta que a moderna civilização industrial 'é uma arma de destruição em massa planetária'. Qualquer um informado sobre o massacre da megafauna do Paleolítico Africano e Eurásia, ou o extermínio dos grandes animais das Américas, ou a grande massa de carbono produzido pelo desmatamento no Neolítico deve ser capaz de ver que a arma de destruição em massa planetária não é a cultura atual, mas a humanidade.

Você poderia expurgar a civilização industrial do planeta, ao custo de bilhões de vidas, apenas para descobrir que você não quer invocar "um mundo mais saudável", mas outra fase da destruição.

Por estranho que pareça, uma versão de estado estacionário pode oferecer a humanidade uma melhor perspectiva para evitar o colapso. Pela primeira vez em nossa história estamos bem informados sobre a extensão e as causas das nossas crises ecológicas, sabemos o que deve ser feito para evitar sua forma global - se apenas uma vontade política estiver presente – a de evitá-las.

Confrontado com a sua alternativa - relaxe e assista bilhões de mortes – Democracia Liberal 2.0 – parece uma boa opção.

Com os meus melhores votos,

George



Caro George,

Machismo, eu? Você vem usando a palavra 'luta' tipo Dick Cheney. Agora a minha falta de espírito de luta faz com que eu seja acusado de cumplicidade de morte em massa! Esta parece uma acusação bastante machista.

Talvez a origem da nossa discordância possa ser encontrada em uma única frase, em sua última carta: 'você está propondo fazer nada para evitar o colapso provável da civilização industrial'. Isso levanta uma questão: o que você acha que eu poderia fazer? O que você acha que pode ser feito?

Você sugeriu várias vezes que a morte hedionda de bilhões é a única alternativa para reformular o status quo. Mesmo se eu aceitar esta alegação carregada, que parece projetada para me fazer parecer um fascista sem coração, em que nos levaria em nenhum lugar, porque um status quo reformulado é uma fantasia, e até mesmo você está perto de admiti-lo. Ao invés de 'não fazer nada', em resposta, eu sugiro ter alguma perspectiva sobre a causa raiz desta crise - não são os seres humanos, mas as culturas em que operam.

Civilizações vivem e morrem por seus mitos fundadores. Nossos mitos nos dizem que a humanidade está separada de algo chamada "natureza", que é um 'recurso' para nosso uso. Eles nos dizem que não há limites para as capacidades humanas, e que ciência, tecnologia e nossa sabedoria inefável podem consertar tudo. Acima de tudo, eles nos dizem que estamos no controle.

Este desejo por controle fundamenta a sua abordagem. Se pudermos simplesmente persuadir que os políticos façam A, B e C com rapidez suficiente, então seremos salvos. Mas o que a mudança climática nos mostra é que não estamos no controle, quer da biosfera ou de máquina que o está destruindo. Aceitar esse fato é o nosso maior desafio.

Acho que a nossa tarefa é a de negociar uma descida que venha da melhor maneira possível, enquanto criam-se novos mitos para colocar a humanidade em seu devido lugar. Recentemente, sou co-fundador de uma nova iniciativa, o Projeto Serra Negra, que visa ajudar a fazer isso. Ele não vai salvar o mundo, mas pode nos ajudar a pensar sobre como viver através de um século rígido. Você seria bem-vindo para se juntar a nós.

Muito melhor,

Paul



Caro Paul,

Sim, as palavras que eu uso são ferozes, mas as suas são estranhamente neutras. Noto que você não respondeu minha pergunta sobre quantas pessoas o mundo poderia suportar sem formas modernas de energia e sistemas sustentáveis, mas dois bilhões é certamente o extremo otimista. Você descreve este abate em massa como 'uma longa descida' ou um 'retiro para um mundo mais sadio'. Você tem considerado sempre um emprego de Assessoria de Imprensa no Ministério da Defesa?

Eu desenho, para sua atenção, uma insignificante ocorrência de uns poucos bilhões de fatalidades, não para fazer você parecer um fascista sem coração, mas porque é uma realidade com a qual você recusa participar. Você não vê, porque fazer isso seria aceitar a necessidade para ação.

Mas é claro que você não está fazendo nada. Você propõe endurecer os nervos, invocar o sangue, e, er ... 'obter alguma perspectiva sobre a causa raiz desta crise'. Tudo bem: todos nós poderíamos ter alguma perspectiva. Mas sem ação - informada, orientada e imediata - a crise vai acontecer. Concordo que as chances de sucesso são pequenas. Mas elas serão inexistentes se desistirmos antes de começar. Você acha ridículo esse impulso por uma "ânsia por controle". Eu vejo isso como uma tentativa de sobrevivência.

O que você poderia fazer? Você sabe a resposta tão bem quanto eu. Juntar protesto, proposta e criação. É confuso, interminável e de sucesso incerto. Talvez você se veja acima desta futilidade, mas é tudo que temos e tudo o que já tivemos. E às vezes isso funciona.

O efeito curioso deste debate é que, enquanto eu comecei como o otimista e você o pessimista, nossos papéis se inverteram. Você parece acreditar que, embora seja impossível domar a economia global, é possível mudar os nossos mitos fundamentais, alguns dos quais pré-data da civilização industrial por vários milhares de anos. Você também acredita que algo de bom pode vir de um colapso que priva a maior parte da população de seus meios de sobrevivência. Isso me parece algo mais do que otimismo: a fantasia milenarista, talvez, de Redenção após a queda. Talvez seja a frustação perfeita da minha visão apocalíptica.

Com os meus melhores votos,

George"